6.9.07

Black Box - O Palácio das Cardosas

I.

Saiu no jornal Público, na semana passada, com um título de fazer tremer, mesmo, as mentes mais desatentas: “Aceitam-se candidatos à demolição do quarteirão das Cardosas, no Porto”. Assim, à partida, parecia que ia tudo abaixo num dos mais emblemáticos quarteirões da Baixa Portuense em plena Praça da Liberdade. O edifício das Cardosas é o grande palácio que encerra a sul a Avenida dos Aliados, o rosto de um quarteirão que vai até à rua das flores e que é ainda fachada da Praça dos Lóios e da Praça Almeida Garrett. Na sua maior parte constituído por edifícios devolutos e em avançado estado de degradação, o quarteirão está actualmente ocupado por seis singelos fogos, número que a SRU pretende obviamente aumentar. Este junta-se assim, ao quarteirão adjacente do “vestir bem e barato é aqui”, que a SRU já começou a reabilitar, e que são de facto, pontos estratégicos urbanos, pela situação geográfica e organizacional na transição da parte alta para a parte baixa da cidade (Ribeira).
Com um conjunto de galerias que irá unir as várias ruas que delimitam o quarteirão, um número de fogos à volta dos 50, um parque de estacionamento com lugar para cerca de 260 carros, uma “área comercial coberta” e um Intercontinental hotel no Palácio das Cardosas. A SRU pretende não demolir o quarteirão, como diz o título da notícia do Público (será que os jornalistas lêem o que escrevem?), mas sim, utilizar o miolo do quarteirão como parte fundamental do processo de reabilitação. Será, por isso, possível cruzar o quarteirão para aceder à rua das flores, a praça dos poveiros ou a Praça Almeida Garrett.

II.


Mas esta coisa das “áreas comerciais cobertas” no meio da cidade, fazem-me sempre lembrar as imagens turvas das galerias comerciais tipo Stop ou Cedofeita, que para além da qualidade arquitectónica discutível, o próprio conceito parece-me, de certa forma, paradoxal com uma ideia de urbanidade. As ruas são elas mesmas as áreas comerciais, é por onde circulam os fluxos urbanos e as dinâmicas da cidade. Encontrar soluções que perseguem exactamente o negativo, para além de não estarmos nos anos 90, parece-me “shoppinizar” as cidades, partindo da ideia que as pessoas gostam é de “shoppings”. Quando o que as pessoas, realmente, gostam é de conforto, de bem-estar, organização, de ver e de estar com outras pessoas, de encontrar espaços flexíveis e uma oferta diversificada. E isto pode, quanto a mim, funcionar independentemente de ser num “shopping” ou não. Aquilo que o mall americano fez foi construir a Baixa na Periferia, porque era aí que as pessoas viviam ou porque não existiam centros históricos. Juntou o útil ao agradável. Não digo que intervenções pontuais desse género não sejam positivas (o Chiado em Lisboa ou Via Catarina, de alguma forma), nem que neste caso, não seja interessante o facto de podermos atravessar o miolo do quarteirão. Mas estamos em pleno Centro, ainda há tantos problemas por resolver. Tantos edifícios devolutos, muitas lojas desocupadas, tantas ruas que precisam de um novo sentido estratégico, de uma reconfiguração, parece-me acessório a introdução dessas “galerias”, isto é, de mais ruas ainda.

III.


Se há algo de positivo nessa intervenção quarteirão a quarteirão é facilitar e optimizar a reabilitação, mas isso, não pode ser sinónimo de uma excessiva “condominização” ou “maquinização” das intervenções. Esta macro-escala de intervenção deve é, sobretudo, potenciar a micro-escala da ocupação, da diver(c)idade da intervenção privada, da apropriação dos habitantes. Transições demasiado abruptas podem não ser positivas. Senão corre-se o risco de se construírem apenas cenários, quando o que se quer é construir cidade, na mais delicada de todas as tarefas, que é construir cidade nova na cidade antiga.

pedro bismarck [opo.zine]