Estrada Mercado e Edifício Montra no concelho de Paços de Ferreira
Vasco Cortez*
intro. Este trabalho surge na sequência da investigação efectuada no âmbito do seminário de urbanismo do 6º ano da FAUP, orientado pelo Prof. Cat. Manuel Fernandes de Sá, sobre a problemática da cidade contemporânea e da cidade difusa. O trabalho procura compreender as novas formas de cidade existentes, analisando para isso um fenómeno particular: a estrada mercado com os seus tipos arquitectónicos específicos – os edifícios montra. Partindo da investigação efectuada no seminário, procurou-se por um lado contextualizar e por outro aprofundar e sistematizar o estudo realizado e, em consequência, produzir uma reflexão sobre a condição da arquitectura e dos tipos arquitectónicos na nova realidade territorial.
1. As sociedades contemporâneas introduziram novas práticas de ocupação do espaço que conduziram a uma maior complexidade e especialização nas formas e no funcionamento da cidade. A cidade difusa é uma expressão disto. Surge com a explosão das cidades e a invasão das zonas tradicionalmente rurais pela vida urbana. Criam-se novas condições e novos tipos urbanos, com diferentes modos de funcionamento. O campo de estudo deste trabalho é a cidade difusa enquanto área da investigação urbanística.
A complexidade resultante das novas formas urbanas da era pós-industrial (por contraponto à unidade, clareza e continuidade da cidade antiga e moderna) incita por vezes certos discursos, que acusam tais tipos de cidade de representarem o caos, a falta de ordem ou mesmo a má forma urbana. Este discurso é proveniente da incompreensão dessa mesma complexidade. O que acontece na verdade é o assomar de uma outra espessura urbana e de diferentes modos de organização, ainda pouco compreendidos. Quando se estima que mais de metade da população do planeta viva em cidades, os territórios periféricos de dispersão urbana tornam-se cada vez mais representativos e importantes, reclamando uma maior atenção. Paralelamente a isto, assistimos na sociedade em geral a uma crescente consciencialização para os problemas do planeamento urbano e do ordenamento do território (uma vontade de controlar, prevenir, planear e projectar o ambiente urbano), associada a um despertar para a valorização e reabilitação do património edificado. Esta atenção para com o, já amplamente reconhecido, património – as cidades antigas e os centros históricos – provoca normalmente o desprezo pela outra cidade – a «cidade emergente». A consequência é visível: má qualidade do ambiente urbano nos espaços onde vive a maioria da população. Compreender a cidade contemporânea, quer pela complexidade que esta demonstra, quer pela possibilidade de intervenção (mesmo que seja só no campo do projecto arquitectónico), torna-se portanto essencial para quem estuda arquitectura.
2. O objecto deste estudo é a estrada mercado, enquanto fenómeno urbano emblemático da cidade difusa, e os seus tipos arquitectónicos (particularmente os edifícios montra), como sua parte constituinte e enquanto fenómenos arquitectónicos e urbanísticos em si. O caso particular, aqui seleccionado, é a Estrada Nacional 207 (EN207) no concelho de Paços de Ferreira, devido à anormal concentração destes edifícios.
A via em geral, mas particularmente a estrada, é a grande estrutura da cidade difusa. Estudar a via é estudar a própria cidade difusa. É a ela que tudo se agarra e é com ela que tudo se relaciona. É ela que explica o polvilhar aparentemente caótico e disperso da edificação no território. E a estrada mercado em particular é a expressão da sua força estruturadora, ao transformar a simples via, em verdadeiro espaço público. O mercado é, na história das cidades, um elemento fundamental na constituição dos espaços urbanos e dos centros cívicos. A troca, a compra e a venda foram razões da própria formação das cidades, e simbolizam encontro, despoletar de animação e vida urbana, mas simultaneamente potencial de transformação e renovação. A estrada mercado ganha assim uma importância urbana fulcral para este tipo de território e é um tema importante a analisar. A EN207, fenómeno peculiar no género, desencadeia facilmente uma série de questões: porquê tantos tipos diferentes de edifício, servindo todos para a mesma e simples função: venda de móveis? Como surgiu um fenómeno destes e porquê aqui? O que justifica este tipo de expressão urbana? Como e quem o terá começado?
Estudar este fenómeno implica, antes de mais, uma compreensão do seu enquadramento territorial, social e económico. Para isso, o estudo do fenómeno urbano é introduzido por uma reflexão alargada a propósito desse enquadramento territorial, mas também por uma observação histórica e socioeconómica (do Vale do Sousa e Paços de Ferreira). Como complemento à análise, alargou-se a investigação às outras duas estradas nacionais do concelho (EN209 e a EN319) e respectivas envolventes próximas, pela semelhança de fenómenos e pela proximidade geográfica. Considerou-se como território de estudo a envolvente à EN207 no concelho de Paços de Ferreira.
3. A metodologia utilizada foi o estudo tipológico. Ou seja: a comparação intensiva entre edifícios e a sua posterior classificação em famílias, segundo critérios predeterminados. Este é um processo de sistematização da informação, recolhida de forma empírica, que permite formular conclusões mais objectivas.
Estudar a cidade difusa através da tipologia do seu edificado representa compreender a lógica que rege a sua formação espontânea, encontrar padrões e regras na aparente desordem. Organizar a realidade em tipos permite assim entender padrões, características comuns, organizar a informação. Representa para além disto uma forma de ler a cidade de um ponto de vista particular: a tipologia.
*[texto sobre a Prova Final do curso da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto]
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#Os meus 3 livros
#ASCHER, François, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998
(1ª Ed 1995)
#CABRAL, João, DOMINGUES, Álvaro, PORTAS, Nuno, Políticas Urbanas – Tendências,
estratégias e oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003
#VENTURI, Robert; IZENOUR, Steven; BROWN Denise Scott, Aprendiendo de Las
Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A.,
Barcelona, 2004 (1ªEd 1977)
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