6.4.08

carnet de route - Índia: viii capítulos

iii. Ahmedabad
a) a cidadeEssa luz oriental é mais colorida nas primeiras horas da manhã e a cidade desperta cedo, muito cedo. E entre os primeiros carros, rickshaws, autocarros que sofregamente calam o silêncio da noite, acordam e levantam-se dos passeios, esses que aí vivem, noite após noite. E na Índia são tantos. O bazar vazio é apenas lixo, pó e faces que nos olham ensonadas. A cidade cresce indefinidamente ao longo do dia, e o caos torna-se insuportável. É gente que passa, que nos olha, que nos toca, crianças que abanam a mão e dizem adeus, que sorriem com olhos melancólicos, profundamente melancólicos. Ou então, são os meus próprios olhos melancólicos que eu vejo reflectidos.
b) kahn e o indian institute of management
Dentro dos muros do gigantesco (como tudo na Índia) complexo universitário, situa-se esse discreto edifício que é composto por múltiplas partes (a faculdade, biblioteca, escritórios, cantina, residência). E tudo resulta simples, simplesmente bem: para além do calor abrasador, estão esses infinitos corredores que prolongam o vento e o ar, que refrescam o edifício; os pátios, que definem cada momento preciso do espaço e do dia; a "falsa" fachada que protege do sol; os tijolos que revestem com as cores da terra a obra humana. E o edifício parece conseguir realizar a mais ambicionada de todas as sínteses, é moderno e é vernacular, é belo porque funciona. Moderno, na concepção teórica e prática dos espaços. Vernacular, porque segue os princípios elementares da arquitectura local na adaptação à geografia física e humana. Belo, porque consegue equilibrar todos os elementos activos no projecto de uma forma harmonizada e humanizada. A geometria e o desenho foram o meio e o instrumento aglutinador. Respira silenciosamente este edifício, muito para além da frenética arquitectura contemporânea.

c) corbu
Corbusier é sempre uma surpresa. Resulta interessante a forma como a arquitectura corbuseriana se adapta às questões climáticas e geográficas. A falsa fachada, revestida por plantas e flores; o espaço aberto e livre que permite uma grande liberdade de circulação de ar e de pessoas; os escritórios, os auditórios, os serviços que são organizados em forma de unidades independentes, protegidos pelas lajes e pelas grandes aberturas. Os acessos organizam toda a estrutura do edifício e são a peça fundamental, que começa desde logo pela majestosa rampa, passando pelas escadas aos corredores-foyer que ligam essas diferentes unidades. Há um certo cenografismo nessa porta, que dá acesso ao andar do auditório, mesmo no topo das escadas no 3º andar, que se abre abruptamente para a cidade. Há o detalhe da forma como a luz é filtrada para iluminar ténuamente o auditório. Há esse pressentimento que já tudo foi feito e que somos nós agora em pequenas e labirínticas variações.

d) a cor negra dos teus olhos

O bazar estende-se indefinido pelas ruas e ruelas entre sons confusos e cheiros intensos, no meio a grande mesquita Jami Masjid. O pátio cresce cercado pelas arcadas e há esses tapetes desdobrados sobre o chão, orientados à mais desejada de todas as cidades muçulmanas. O silêncio, apenas o silencio e o sol ainda quente do fim da tarde que desaparece no mais cativo de todos os olhares.
#Pedro Bismarck [maio 2006]

imagens:

[1] Mesquita Jami Masjid [2] Indian Institute of Management [3] Millowners association building, Le Corbusier [4] Rapariga Indiana em frente à mesquita Jami Masji